quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Mulheres na polícia.

 
Chegou um novinho de sorriso doce e olhos tristes aqui no meu setor. Vindo lá de onde o vento faz a curva. Ao ouvir as perguntas sonhadoras dele, aproveitei, por alguns minutinhos, pra representar o papel de  "antigona". Interessado, ele queria saber tudo com voracidade. Me peguei dando conselhos serenos a ele, com aquele ar de quem quer passar uma sabedoria calma, que alerta para os perigos . Foi então que percebi que não sou mais uma novinha. O tempo passa e eu aprendo, aprendo, aprendo e coleciono experiências que escrevem minha história. O que pra quem tá chegando já é muita coisa. Olho para as dificuldades que temos de enfrentar todos os dias sem deixar que elas queimem meus olhos. Resgato lá no fundo alguma coragem e sigo em frente com fé em Deus.  Nessa estrada, cresci bastante como pessoa, ardi em desafios e aplaquei obstáculos teimosos.  Esqueci o que é ficar esperando uma tempestade passar. Quero estar acesa na chuva cumprindo a missão, mesmo quando sinto medo ou aquela dorzinha na alma. Dor de humanidade? Com a chegada desse novinho, fiquei grávida de uma nova responsabilidade. E falando assim, me sinto até mais forte. Tanto. Só porque sinto sangue novo e vivo entrando nas veias. Seja muito bem-vindo, novinho.
 

TERÇA-FEIRA, 10 DE DEZEMBRO DE 2013

Basta querer.

 
Tenho tido experiências que me fazem acreditar que dá pra fazer. Que dá pra mudar. Basta querer. Talvez o que eu faça não seja muito, mas é o que está ao meu alcance e é o que vou fazer. É pra isso que estou aqui e essa é a minha contribuição. É o que dá pra mudar agora. E embora o cenário seja parecido com aquele da Zumbilândia, aqui a-gente está fazendo. Aqui, graças a Deus, a-gente tem conquistado respeito e feito esse distintivo brilhar mais forte ainda.
 
Após o incidente com o procurador, não consegui pegar nada que se referisse a uma suposta corrupção no setor. Nada. Nem quero pegar pra falar a verdade. Mas aquilo me deu uma certa moral perante os terceirizados. Eles me respeitam, confiam. E eu tenho explorado isso.
 
Primeiro, tomamos providências para que os procuradores e o público em geral só tenham contato com os policiais (isolamos os terceirizados), o que me fez sentir bem mais tranquila e deixou aDama de Ferro extremamente satisfeita.
 
Segundo, chamei pra mim o controle da produtividade dos meus terceirizados e percebi que havia um certo acordo malandro entre eles para que a produção não fosse tanta assim, o que evitaria um possível e consequente alargamento das metas diárias. É mole? E é porque a galera jura que precisa desse emprego... Eles preferem ter tempo livre pra bater papo, pra ficar na Internet, fazer trabalhos da faculdade, estudar pra concurso e passear pelos sites de relacionamento.
 
Eu até poderia fazer vista grossa se a papelada aqui estivesse em dia... mas quem não fica indignado vendo uma mesa cheia de trabalho por fazer e a terceirizada O DIA TODO marcando encontro para encontrar o "Par Perfeito" dela em sites de... né? Essa não teve jeito, foi devolvida para a empresa. Agora, passei a divulgar abertamente com gráficos a produtividade individual e, claro, a premiar os mais produtivos.
 
Resultados: 
 
1- Conseguimos organizar as demandas por ordem de chegada (o que me respalda contra qualquer tentativa de advocacia administrativa, tráfico de influência e essa coisa toda) e toda a papelada atrasada já está zerada, o que diminuiu sensivelmente o número de telefonemas externos (reclamações de contribuintes) que precisávamos parar o serviço para atender. Agora, gente, o trabalho aqui está em dia! Aleluia!
 
2 - Olhando os gráficos que fizemos, a Delegada Conterrânearesolveu me passar a incumbência de preparar as estatísticas de toda a Divisão. E isso, meus prezados amigos, é o que você ganha por tentar desenvolver um bom trabalho: mais trabalho. Lerê, lerê...

QUARTA-FEIRA, 23 DE OUTUBRO DE 2013

Ninguém é insubstituível.


Além de elogios e do reconhecimento institucional, existem sim, muitas outras formas bem mais sutis, mas não menos importantes, de você se sentir verdadeira e excitantemente prestigiado na polícia.
 
Já tinha ouvido o nome dela ser pronunciado várias vezes por outros colegas da polícia. São essas interligações cognitivas positivas que dão sentido racional ao termo "policial de renome" que ela é. Antigona, daquelas que fazem parte da escola de policiais que, apesar de tudo, escrevem em caligrafia impressionantemente artística sua história na polícia. No mesmo nível do Jack Bauer, doRoger Murtaugh, da Cigana, ela tem lugar de honra na minha Galeria de Heróis Policiais Vivos. 
 
Casada com um também respeitável colega da minha gloriosa polícia (o marido dela é outra lenda!). Têm filhos. É atiradora de elite em várias modalidades de tiro. Pra você ter uma noção, ela é tão especial que dá aulas na Academia, mas só em cursos selecionados para quem já é policial especializado. Dá aula pra novinho não, entendeu? Tudo na vida dela parece que foi simbioticamente selecionado. E mais: ela tem aquela cara metafórica de "decifra-me.ou.te.devoro". Esse equilíbrio poético que ela vive me inspira melancolicamente, me estimula a querer crescer. Quero muitomuitomuito ser igualzinho a ela quando crescer.
 
Tivemos uma conversinha rápida por esses dias. Além de linda, notei nela uma simpatia singular! Mas o melhor de tudo é que, pra minha surpresa, é ela quem está me substituindo lá no setor onde eu trabalhava antes. Ou seja, sem chance de eu voltar pra lá quando terminar esse meu período temporário aqui. Mas te juro que não tive o menor problema com isso. Fiquei feliz. Fiquei sim!
 
Segue a tríade do meu pensamento dissertativo em prol dos motivos que me restam para rir da minha própria tragédia, drama's.queen.
 
Primeiro porque aquele lugar é "peruado". Muitos colegas homens queriam trabalhar lá. Mesmo assim, colocaram outra mulher no meu lugar (Às vezes passava pela minha cabeça que eu só estava lá por um capricho do Roger. Porque soube que se a equipe fosse do Jack, nenhuma mulher teria a menor chance - por puro machismo, óbvio!) Se eu tivesse pisado na bola, a minha saída seria uma oportunidade para generalizarem e defenderem que ali não é lugar pra mulherzinha. Só que não. Mesmo que o Roger já esteja aposentado, o chefe atual manteve a ideia de ter pelo menos uma mulher entre os oito.

(Roger recebeu uma senhora proposta na iniciativa privada, e se aposentou enquanto eu estava fazendo aquele curso com os militares).
 
Segundo porque se ela está lá, aquela função é realmente estratégica, é política. Ou seja, não é pra quem quer é pra quem não vai atrapalhar o que já foi conquistado. Pelo fato de ela ter sido designada pra trabalhar lá, eu posso te garantir que a função está sendo muito valorizada. Pode crer.
 
Terceiro, se ela foi pra lá, pelo menos teórica e metafisicamente falando, é pra dar continuidade ao que eu vinha fazendo, certo? (risos e ataques histéricos de euforia).

Conclusão: caraca, moleque... isso pra mim é a glória.

TERÇA-FEIRA, 3 DE SETEMBRO DE 2013

Intimidade.


Limpeza de primeiro escalão é para os fracos.

SÁBADO, 31 DE AGOSTO DE 2013

Consta.

 
Ela já ganhou pontos comigo apenas pelo fato de ser da minha cidade e por  trazer o sotaque das minhas amigas. Por um mundo onde não se julgam as pessoas por sua origem, mas sabe aquela coisa de afinidade de raízes? Pois é, culturalmente falando, somos bem diferentes dos habilocs* daqui. 
 
Percebi que a Dama de Ferro também gosta dela. Elementar, já que minha conterrânea é quem mais trabalha e produz neste setor. É por isso que ela tem três estagiários.  Sabe escrever com objetividade e clareza e não tem tempo para aqueles floreamentos de estilo jurídico-boçais. Tem o raciocínio rápido, é desenrolada e parece ser uma ótima mãe de família.  Pode rir do meu jeito caipira-romântico de ver a vida, Poliana Moça, mas na minha escala de valores, está bem estabelecido que "família" vem antes de "trabalho".
 
Gente, o mundo precisa saber que a vida pessoal de boa parte dos policiais é uma catástrofe. Tendo por amostra nosso time feminino de vôlei,  parece até que o tempo de polícia é inversamente proporcional ao tempo de casada das policiais. Tinha que haver um curso top de "Operações Familiares". Não entendo como ninguém nunca pensou nisso...
 
Admiro o fato de que, além de competente, ela almoça em casa todos os dias e que às 18 horas em ponto, ela para tudo e vai cuidar da vida. Fiquei fã quando, após ouvir uma parte da conversa dela com uma orientadora escolar, me explicou que tinha dado uma dura na equipe de professores de exatas da melhor escola desta cidade, porque não souberam explicar o motivo de uma nota baixa da filha dela. Entendeu? Sem entrar no mérito da nota em si, ela me mostra que sabe transitar bem nisso de ser uma boa profissional do tipo "delegada durona" e ser super-amiga da filha pré-vestibulanda dela... 

Creio que posso tentar aprender alguma coisa com essa mulher que tem uma vivência profissional no mínimo interessante. Veio de outra polícia e, diga-se de passagem, já sofreu no lombo o ferro quente da Corregedoria. Se ela mereceu essa marca dolorosa, jamais saberemos.



* Gíria operacional para "habitantes locais". 

SÁBADO, 6 DE JULHO DE 2013

Músicas de trabalho.


    Uma lista de músicas especiais pra ouvir antes de partir pra uma operação.
  • Wide awake - Katy Perry - Essa é uma música para despertador! Ótima pra já acordar no clima, espantar o sono, e ficar esperta. Polícia é isso mesmo: abandonar ilusões e partir pra vida. Acorda, Katy, pra vida né, Perry!
  • Save the world - Swedish House Mafia - Tão difícil sair dos braços dele nesse friozinho da madrugada, mas alguém tem que salvar o mundo, né? Quem? Eu, é lógico! Ah, e essa também é uma homenagem ao meu cachorro e a todos os cães policiais. É, hoje tá difícil acreditar na polícia, né? Por isso eu sou a favor de mais cães policiais no nosso efetivo. Quem tá comigo aumenta o som!
  • Titaniun - David Gueta - Ok... Essa é pra ouvir antes de sair com o carro da garagem. Porque se eu não acreditasse SEMPRE na ajuda do sobrenatural eu não sairia de casa nem pra comprar pão para o café da manhã! Caiam mil ao meu lado esquerdo e dez mil à minha direita eu não serei JAMAIS atingida. Armadura de titânio puro! Faruêêêê, Faruêêêê...
  • Zombie - The Cranberries - Pode ouvir no caminho... Sempre bom lembrar que a gente tem que olhar o mundo com olhos de águia. Não focar apenas no quadradinho da situação, mas sempre entender o contexto macrosistêmico dessa por.caria toda. O poliça quer acabar com a violência como? Com mais violência? Quedizê... What's in your head?
  • Chasing the sun - The Wanted - Como assim "desistir"? Te disseram que você não tem condições de chegar lá? É mentira! Olha eu aqui! Então se joga, amiga, persiga o seu "alvo", o seu objetivo até alcançá-lo. Daí grita bem alto igual a uma louca: "vim, vi e venci!". U-hu!
  • I follow rivers - Likke Li - Música de perseguição. Tem que ter! Vai que... Mas é claro que eu vou te pegar e vai ser lindo! "I follow you deep sea baby. I follow you, don't run baby. You're my river running high. Run deep, run wild".
  • Try - P!nk - Essa é pra todo mundo que tomou a pílula vermelha e já entendeu que a coisa é mais embaixo. Você já se perguntou ‘bout what he’s doing? How it all turned to lies?.Cadeia neles! E essa coreografia também é bastante inspirativa. É o Apache, um estilo de dança de rua parisiense. (Lei Maria da Penha nesse barriga de tanquinho, Pink!) ~apagar~
  • One way or another - Piper Perabo - Flagrante postergado. Só os fortes têem paciência pra esperar o momento certo de pegar... mais cedo ou mais tarde, de um jeito ou de outro eu vou te prender! One way or another, I'm gonna find ya! Isso, joga o cabelo, amiga, igual a Joelma.
  • This is my house, this is my home - We Were Promised Jetpacks - Estranho como todo o foco da polícia é o bandido. Não deveria ser a vítima? Bora humanizar e fazer um atendimento bacana às vítimas?  Duzentos reais pra quem me disser what.the.hell aconteceu nesse raio de sótão dessa música. 
  • Part of me - Katy Perry - Amiga... essa é pra chegar chegando! "Todas as mulheres são criadas iguais, até que algumas decidem se tornar policiais". Consegue imaginar?Oquei, isso foi uma piada... Mas, ó... jamais subestime uma mulherzinha...
 

SEGUNDA-FEIRA, 17 DE JUNHO DE 2013

As próprias limitações.

 
Logo na primeira semana tive que pagar dez flexões de braço, na frente de toda a turma, porque tinha descuidado de um equipamento. Tinha que ser eu! Os oficiais alunos sentiram um certo desconforto pelo fato de o instrutor me punir assim, como se tal prática fosse apenas para militares. Eu soube disso porque o mesmo instrutor que me fez pagar veio no dia seguinte me pedir desculpas... "Quê isso Sargento..." respondi, "Imagina! Estou me sentindo em casa (mentira). Na minha Academia é pior porque muitas vezes se um aluno erra, todos pagam, inclusive os professores... (verdade)".

Ah, gente, na boa... dez flexões não são nada perto do que estou me preparando pra enfrentar no decorrer deste curso. Olhando a grade curricular que nos foi distribuída, já estou pensando em como vou fazer pra vencer algumas sérias barreiras pessoais. Mas estou feliz porque acho que não tem nada que eu queira mais em termos profissionais do que me capacitar e estar apta a fazer um bom trabalho para o qual já sou paga. É um privilégio enorme poder vencer, com fé em Deus, as próprias limitações. Olhar pra trás e ver que elas nem eram tão grandes como supostamente se apresentavam.
 

SÁBADO, 20 DE ABRIL DE 2013

Voz de prisão.


 
Acho que a parte de lidar com preso é a mais difícil pra mim. A primeira vez que entrei numa carceragem não consegui ficar lá nem cinco minutos. Quase passei mal. Havia uns cinquenta presos atrás das grades de umas dez celas, talvez. Não me lembro direito, até porque eu não conseguia sequer olhar diretamente pra eles. Pelo contrário, os olhares lascivos deles é que me fuzilavam por todos os ângulos possíveis. Me sentia como um frango assado desfilando num canil. Eu tinha duas opções: ou encarava de volta até o preso olhar pra outro lado; ou fingia que o preso não era gente, mas um pedaço de carne ignorável (atitude tomada por 99% da sociedade).
 
Resultado: dei meia volta e saí da carceragem. Eu? Encarar um preso??? Melhor não, porque se não funcionasse eu iria fazer o quê? Entrar na cela e bater nele pra ele nunca mais olhar para uma mulher policial daquele jeito? Gente, eu morro de timidez e não consigo encarar nem quem eu tô paquerando... E se o preso sorrisse pra mim e eu sorrisse de volta? Ferrou!
 
A-gente não pode se dar ao luxo de ter conflitos interiores. É resolver logo e cumprir a missão.
 
Então, uma grande parte de nós opta pela segunda opção. É por isso que tantos policiais são marrentos. Por que você acha que polícia adora óculos de sol? Mas Renato Russo estava certo: "mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira" e toda prisão que faço, sem exceção, é uma tortura. Não dá pra ignorar que ali tem um ser humano. O cheiro, o choro, a textura da pele, o olhar deles é de um ser humano, igualzinho a mim. Mas como um outro ser humano comete um crime desses?
 
Por mais que eu evite conversar com o preso e saber menos, pra sofrer menos... não adianta. Outro dia, dei um sermão de meia hora num preso, porque, durante a busca domiciliar encontrei um Certificado de Reservista onde constava que ele havia servido a Força Aérea Brasileira. Em suma, eu queria saber do preso como ele poderia ter mudado de lado depois de todo o treinamento militar que ele recebeu. O preso chorou tanto de arrependimento... que bem poderia me acusar de tortura psicológica. Agora é tarde, soldado.
 
Recentemente prendi um pastor evangélico que estava fazendo a coisa certa, porém da forma errada. Na delegacia ele pagou fiança e foi embora. Não sem antes passar por mim e dizer: "a Bíblia diz que feliz é aquele que for preso pelo nome de Jesus". Eu não vou discutir as leis de Deus com um pastor que desconhece as leis dos homens. Não sou eu quem faz as leis, Reverendo. Eu cumpro a lei, por mais idiota que ela seja. E não fui eu quem colocou o Tiririca lá... Mas se não estou enganada, quando Jesus estava sendo preso, Pedro, que parece que era meio metido a segurança particular, sacou sua espada (é galera, São Pedro andava armado!) e feriu a orelha do agente que estava cumprindo o mandado de prisão!!! Não sei o que aconteceu com o agente na hora, se desmaiou, se a dor tava demais... O que sei é que, contrariando todas as normas de segurança, ele deixou o preso (Jesus) tocar na orelha dele e isso sarou o ferimento na hora... 
 
Fica a mensagem que serve tanto para os policiais feridos quanto pra quem me julga. Pra mim, quando Jesus disse aos religiosos "quem não tem pecado atire a primeira pedra" era como se dissesse "não vai subir ninguém", do Capitão Nascimento. Porque no fundo, somos todos iguais, o que nos diferencia é o toque de Jesus.

SÁBADO, 23 DE MARÇO DE 2013

O vestiário feminino.

Sabe o que as mulheres policiais mais fazem no vestiário feminino? Choram. Choram porque querem um amor; choram porque querem outro amor; choram porque não são reconhecidas; porque não são correspondidas; choram quando não conseguem atingir asexpectativas de todo mundo; choram quando não queremcorresponder às expectativas de ninguém; choram porque não conseguem conciliar vida pessoal e trabalho; choram porque se sentem culpadas;  choram de raiva; choram quando as tratamdiferente; choram quando as tratam igual; choram quando querem o que não têm; choram de medo de perderem o que têm. As mulheres policiais também choram.
 
Chegou ao meu conhecimento de forma extremamente desagradável que há comentários a respeito de um suposto caso que eu estaria tendo com o meu chefe. Que maravilha, né? Era só o que me faltava. Tenho ódio de mim mesma quando me importo com essas questões xexelentas, mas é que fico preocupada com as outraspessoas envolvidas! Desagradável. Tanto, que abri o jogo com meu amor logo e contei tudo o que estava acontecendo.
 
Por que é tão difícil digerir o fato de que uma mulher pode trabalhar bem na policia? Quando não acham nada pra falar mal do seutrabalho, adotam um discurso pronto da marca mais vagabunda existente no mercado: fazer fofoca da sua vida pessoal. O resultado são estas pérolas do pensamento evacuadas: "Tem que ter algummotivo pra essa novinha ter sido escolhida pra trabalhar na equipe do Roger"; "Por que você acha que tanta gente naquele setor já foisubstituído e ela não"; "Por que será que o Roger tá dando as melhores missões pra ela?"; "Por que o Roger protege a Novinha até na hora de pagar a multa que ela recebeu?".
 
Até agora não acredito que me dei ao trabalho de fazer uma postagem sobre isso...
 
Meu benzinho sabe quando eu fico abatida com alguma coisa. Sabe que eu não gostaria de ter que pedir pra sair do setor do Roger, mas também sabe que eu não seria capaz de permanecer lá sabendo queele se sente de alguma forma desconfortável com uma situação dessas. Deixei pra ele decidir. Não sei se o Roger tá sabendo desses comentários e também não vou perguntar pra ele. Até porque agora isso também já não vai mais ser problema meu. Meu bem já disse que se toda vez que eu tiver esse tipo de problema eu pedir pra sair... vai ser fogo, né? E ele tem razão!
 
Se alguém extraiu alguma lição útil desse episódio tosco me avisa, porque eu não penso em mudar um til no meu comportamento por causa do que aconteceu. Não vou deixar de ser mulher pra evitar ser alvo de fofoca. Aliás eu já tô cansada desse suposto dilema de gênero na polícia "feminilidade versus cargo de autoridade". Vaskatar! Parece até que ser mulher, ou melhor ser feminina exclui acompetência... 
 
Ao contrário do que pensa quem tá de fora, nem todas as mulheres bonitas que vejo na polícia querem fazer uma carreira levando vantagem em cima de seus atributos físicos. Vejo tanta menina na polícia que parece ver na própria sensualidade um problema. Outro dia mandei um abraço para um professor da Academia por intermédio de uma colega e ela respondeu pra eu mesma fazer isso porque o professor era casado... Quequéisso, gente!
 
Sério! Incrível, mas eu até arriscaria em dizer que parece que quanto mais feminina, delicadasensual, bonita é a menina que quertrabalhar sério na polícia, mais medo ela tem de não ser levada a sério! Que praga! Será que eu é que estou errada? Porque pra mim, quanto mais preocupada com essas questões menor é o cérebro da mulher. Quer saber? A preocupação em ser respeitada é tanta, que muitas policiais dentre as que querem muito fazer um serviço de excelência aqui dentro, chegam ao ponto de querer meio que compensar suas características femininas com a adoção de um estilo masculinizado, o que imprime nelas uma imagem mais agressiva do que as outras colegas reconhecidamente delicadas, femininas, sensuais. O que elas não percebem, ironicamente, é que junto dessa imagem agressiva acabam demonstrando um comportamento grosseiro, irritadiço, arrogante que gera maior aversão e antipatia ainda dos colegas e superiores, tornando-as naturalmente evitáveis e menos provável sua progressão na carreira. Adianta?

DOMINGO, 6 DE JANEIRO DE 2013

Imaturidade operacional

  
 
Mais um colega da minha equipe será substituído essa semana. Perdeu a confiança do chefe, pois além de descumprir uma ordem sua, ainda mentiu a fim de encobrir um erro e, pra completar, quase leva junto um outro colega nosso aqui. Ou seja, falhou feio e como já era de se esperar o chefe não teve misericórdia humanitária.

Vou chamar esse colega de "Mestre" porque ele era praticante de artes marciais, adepto dessa filosofia oriental de serenidade, disciplina, respeito e hierarquia. Novinho, também, e pra mim era um cara que tinha tudo pra ir longe. Gostava de ouvir as teorias "wonderequilibrium" dele. Mas de que vale a teoria se não tiver aplicação prática, né?
 
Ocorre que o "Mestre" andava criticando muito, nos bastidores, as exigências do chefe no que tange às regras, à checagem diária dos itens de segurança, à realização correta de vários procedimentos de verificação... Suas observações tinham um ar de quem se acha muito charmoso, muito inteligente, muito hype pra obedecer tantas ordens sem contestar. Respeito a opinião do colega, mas sinceramente, quem acha que tá errado que apresente uma proposta melhor. Eu, por exemplo, não me vejo tão alta-performance a esse ponto. Não tenho essa bagagem toda, essa maturidade operacional pra fazer críticas plausíveis às determinações da chefia. 
 
Pois é... cansei de ouvir o "Mestre" alardeando flácida e prosaicamente  que "Isso é besteira", "Pra quê, aquilo?", "Tal coisa não tem necessidade", "Paranóia daqui", "Isso nunca vai acontecer de lá"... Bom, aconteceu e lamentavelmente foi uma vergonha para o colega e um vexame para a equipe. Um verdadeiro fiasco.
 
Não estou julgando ninguém, estou apenas tentando administrar o que aprendi. Até porque, tenho plena consciência de que, normalmente, doutor, quem fala excessivamente, quem demonstra prazer em criticar, meritíssimo, quem adora colocar o dedo na ferida dos outros, excelência, é aquele que só tem teoria (quando tem, né?) e não tem a prática. O que é um baita farisaísmo tardio. Na minha área de atuação na polícia, quem tem a prática sabe que todo mundo erra, sabe que as missões nem sempre são compatíveis com nosso nível de maturidade e treinamento e também sabe como é difícil ter que obedecer a um milhão de princípios em uma única atitude, o que não nos exime das consequências e da responsabilidade por nossos atos.

DOMINGO, 2 DE DEZEMBRO DE 2012

Processo terapêutico antioxidante.

Ainda não é um novo slogan oficial, mas é preciso redobrar a cautela. Vim cumprir uma missão num local longe pra caramba de onde moro! Não conheço o chefe direito; o cenário é totalmente diferente do que estou habituada a trabalhar; tem uns colegas esquisitos aqui... Redobrar a cautela é preciso.

Em determinada altura desta missão eu tinha um alvo bem pertinho. Uma oportunidade de ouro, e concluo: "É agora ou nunca!" (exploro essa frase desde meus sete anos de idade). Mas aqui na polícia existe um negócio chamado hierarquia, então, com todo cuidado do mundo, falei com o meu chefe nesta missão, outro Agente de Polícia antigão, que achou melhor eu conversar com o Delegado Papa Fígado. "Certo", eu disse. O colega não me conhece, não vai colocar a mão no fogo, por mim, né? Tudo bem!  Porém, o Delegado Papa Fígado, não estava na área, e seu substituto era o Delegado Ponta Mínima.  Falei com este, expliquei tudo direitinho e disse pra ficar tranquilo que eu tinha tudo sob controle. O delegado me pareceu super light, nem questionou nada. "Vai com Deus" foi o que ele me disse e eu fui com Deus e os anjos!
 
Uma semana depois eu retornava àquela base, satisfeitíssima. Contudo, já na entrada do inferno um colega avisou. "Novinha, você tá f." (Perdão. Eu detesto e evito expressões inadequadas, mas foi o que ele disse). Uepa!!! Que foi que eu fiz? Pensei e perguntei: "Tô f. por que?" O colega respondeu: "porque o  Delegado Ponta Mínima não segurou a tua bronca. Disse que não sabia de nada! E o Delegado Papa Fígado quer o seu fígado com sal e pimenta-do-reino no prato dele hoje! Ele quer falar com você agora"! Agora? Fígado cru não é tóxico?
 
Deixe ver se entendi... fui, fiz, aconteci, tirei ótimas fotografias, curti muito o Nirvana Policial e voltei sem problema algum, como eu disse que seria. Não fiz nada, absolutamente nada ilegal, tampouco imoral!  A manobra era arriscada, não nego, por isso pedi permissão aos meus superiores. Vou responder bronca por quê, então? Ocorre que, para o Delegado Papa Fígado o espírito empreendedor é arriscado demais, é isso? Mas eu jurava que ele era super aventureiro. Aquela lotação dele é pra quem é muito aventureiro e empreendedor. Né, não? Me enganei... Quando chegou e soube onde eu tinha ido, gritou de dentro do gabinete: "quem autorizou essa manobra maluca???". Pra você ver onde realmente mora o perigo, fiquei sabendo que, neste momento, o Delegado Ponta Mínima, ouvindo os berros do chefe, recuou dizendo que sabia da manobra,  mas porque eu apenas havia "comunicado" que a realizaria. Ou seja, o covarde negou que houvesse autorizado verbalmente o procedimento.
 
Meu fígado é tão saudável, porque eu o entregaria de bandeja pra um delegado? Sou egoísta? Não. Mas, em princípio, só vão tirar meus órgãos depois que eu morrer. Esse foi o combinado. Por isso conversei demoradamente com o Agente que era meu chefe naquela missão pra que eu pudesse pelo menos entender aquela freak-histeria do Fígado. E ele não só me explicou direitinho o que eu precisava saber (há focos de um processo terapêutico antioxidante pós-greve acontecendo no órgão, Loreal), como também me orientou sobre como me defender. Ótimo! Então é assim que funciona? Maravilha. Daí liguei para o Roger Murtagh, em quem realmente confio, e falei exatamente o que aconteceu. Ele me deu um puxãozinho de orelha porque de fato era muito arriscado. Mas disse que o Ponta Mínima era um "Descentende de Profissional do Sexo" (Chato isso, pois o que essa senhora teria a ver com essa situação, né?). Aproveitei esse momento e disse pra ele o que estava pensando em fazer. E o Roger concordou, porque era a única saída.
 
Gente! Se eu disse que dava pra ir, era porque realmente dava pra ir, oras. Eu garanti que tinha condições de fazer e fiz. Porém, o Papa Fígado ficou estranhamente procurando qualquer coisinha que pudesse justificar seu animus puniendi. No entanto, para a frustração dele, o único erro que cometi foi ter confiado em alguém que eu não conhecia e não ter exigido uma autorização por escrito. Coisa de novinho inexperiente, mesmo. Fala logo! Mas falando no idioma da região, esse Delegado Ponta Mínima "cutucou a onça com a vara curta". Olha... definitivamente eu vim pra ajudar, mas não-me-pro-vo-ca... porque juro que não tenho o menor interesse em me indispor com delegado lotado há décadas no inferno do mundo (isso não é problema meu), portanto, tento resolver tudo pelo social, da forma mais ética e tranquila possível,  mas se eu tiver que chegar ao ponto de "escrever" aí eu vou arrebentar com o seu sistema. Vou dar as costas e voltar pra casa dançando o moonwalk sem olhar pra trás.  Foi o que fiz.
 
Ao entrar no confortável e intimidador gabinete do Papa Fígado, fui mansa, com toda a humildade do mundo e antes de qualquer coisa já cheguei pedindo desculpas pelo transtorno que causei. E o fogo do inferno nos olhos caramelados dele? Eu, hein... Mas antes que ele me respondesse, deixei o meu relatório na frente dele e fiquei de cabeça baixa. Ele tava vermelho de raiva quando começou a ler. Então passei a observar cada minúcia de suas feições diante do FMEA (Failure Mode and Effect Analysis). Alguns instantes depois ele se mostrava visivelmente incomodado com o nó da própria gravata. Eu? Nada! Fiquei caladinha e quietinha no meu canto o tempo todo. Mais alguns instantes e ele começou a respirar fundo. Parecia pensativo a procurar uma tangente. Depois coçou o nariz, limpou a garganta, recuou no encosto da cadeira e, então, ao terminar de ler o documento seu semblante já era outro. Olhou pra mim por cima dos óculos, e apenas disse, "Tudo bem, Novinha, eu entendo que você não foi devidamente orientada e por isso eu vou mandar arquivar esse documento, mas da próxima vez...". Sei, agora você quer arquivar, né??? Bonito esse seu "espírito de porco corpo"! Você não vai me punir porque sabe que vou levar seu substituto farisaico junto, né? Pensei, enquanto ele proferia seu discurso redundante sobre a reiteração de seus valores medíocres. Respondi: "Sim senhor, chefe, parece que houve um sério mal entendido, né?". Ele disse pausadamente: "É, eu vou resolver isso aqui, e você já pode ir, tá?". "Obrigada, se o senhor precisar de mais alguma coisa eu tô à sua disposição". Apertei a mão direita dele e, de esquerda, apresentei-lhe outra cópia do relatório, dizendo: "Só assina esse recibo aqui pra mim, por favor?". Momento em que ele me olhou no fundo dos olhos por alguns eternos segundos. Ele tinha acabado de receber uma inesperada granada sem pino. E agora eu já o encarava na mesma proporção. "Claro!", ele respondeu ameaçando um sorriso cínico.  Assinou o documento e me entregou.

SÁBADO, 13 DE OUTUBRO DE 2012

Incoerências.

 
 
Quando a bomba caiu no meu colo eu parei, com o auxílio da prudência, e tentei tomar a decisão mais acertada para a equipe: liguei imediatamente para o colega. Achei que estava sendo tipo muito parceira. Mas não sei exatamente que parte de "Olha, você errou, vamos tentar resolver isso juntos?" que meu colega antigão não entendeu. Porque primeiro ele não me levou a sério. Depois demonstrou claramente que não gostou da minha atitude.
 
Tá, mas o que é que você tem a ver com o erro do seu colega, Novinha, se você não é chefe dele? Vou pular a parte de que num trabalho em equipe se um erra todos são prejudicados e não vou nem comentar que a imagem que ele passa da polícia reflete na imagem de cada um dos colegas. O problema é que o erro dele interferiu diretamente no meu trabalho. E aqui não é permitido errar, lembram? Digamos que o colega tenha acendido o pavio ontem e a bomba só vai explodir hoje, no meu colinho, após assumir o serviço, entenderam?

Foi assim que eu passei a ficar com um pé atrás quando um colega enche a boca pra dizer que nunca respondeu a uma bronca na polícia. Eu nunca respondi PD (processo disciplinar) na minha jovem, porém intensa, carreirinha policial, mas bem que merecia ter respondido. Merecer talvez seja uma palavra exagerada, mas digamos que se as normas fossem aplicadas rigorosamente eu já teria enfrentado alguns dissabores.
 
Para a nossa sorte, um colega saiu pra resolver o problema e, pela Graça de Deus Pai, conseguiu "cortar o pavio da bomba" que estava dentro do porta-malas de um carro, antes que alguém se machucasse. Mas furo é furo e minha pergunta era se seria necessário/sensato, deixar algo registrado sobre o ocorrido, caso houvesse alguma consequência de ordem administrativa, por exemplo, por isso quis conversar com o colega. Acho que qualquer pessoa com um mínimo de senso de responsabilidade entenderia a minha preocupação.
 
Posso falar? Eu acho extremamente sexy quando um homem encrencado assume os próprios erros. Isso mexe involuntariamente com meus hormônios que entendem que aquele é um macho Alfa-Alfa da espécie humana. O Provedor!! O Protetor!! O Potente!! Com "P" maiúsculo! É bem esse o tipo de cara que me faria virar o pescoço magneticamente pra olhar de novo de forma mais demorada. Que me levaria a morder a parte interna dos lábios ao sentir aquela dor vazia no interior do útero contraído reflexamente. Caso eu não fosse comprometida, seria a perfeita ocasião para virar a cabeça completos 180 graus!

No entanto, meu colega antigão me pareceu neuroticamente transtornado com a possível repercussão do erro cometido em sua ficha impecável e, igual a uma garotinha mimada que dá birra pra não tomar banho, literalmente me ameaçou, dizendo mais ou menos assim "olha, registra o que você quiser, mas se eu for, dou um jeito de te levar comigo". 
 
Quem seria tão idiota de arriscar o próprio pescoço por um colega desses? Eu. Eu resolvi não escrever nada a respeito no livro de ocorrências do plantão. Calma pessoal, continuo monitorando a situação. Eu mesma fiz e refiz todos os cálculos. Se Deus quiser vai dar tudo certo. O que me incomoda é esse gosto amargo da decepção, o qual tento temperar com algum aprendizado.
 
Não se deve julgar um policial pelo número de punições que ele levou. Primeiro porque, como você já deve ter notado, acontece de inocentes pagarem pelos pecadores.  Segundo que quem assume que já errou alguma vez, pode ter lá seus defeitos, mas pelo menos não vai precisar vender a alma pra não sujar o currículo.
 
É desses policiais de laboratório que eu tenho medo.

SEXTA-FEIRA, 7 DE SETEMBRO DE 2012

Delicadeza violenta.


Parece um convite ao abuso de autoridade, mas é apenas um aviso pra pensar antes de agir. Eu era a única policial naquele salão, se não estava enganada. Ouvi a menina dizendo "não" com todas as letras mas o cara simplesmente não ouvia. Tem coisa que nunca muda. Muda o cenário, os personagens, mas o enredo é o mesmo. Me identifiquei formalmente como policial e perguntei qual era a situação. Eu já sabia o que estava acontecendo, mas era meio como uma autorização verbal expressa pra poder agir. "O senhor, por gentileza, vai ficar lá fora", disse a ele. Da mesma forma que o sujeito ignorava a voz dela, ignorou também a minha. Lembrei-me de um professor da Academia que falava que se o policial der a carteirada, ele tem que entrar. Penso que o princípio se aplica, da mesma forma, à ordem policial dada. Se você deu uma ordem ela terá que ser cumprida. Que droga! Agora eu teria que ir até o fim.

Aprendi com o Guerreiro algumas técnicas para serem utilizadas em situações em que você não pode fazer muito "barulho". Não pode sacar arma, não pode gritar, não pode fazer barraco, nem fazer beicinho, mas tem que agir. Eles chamam de ataque aos pontos de pressão, eu chamo de "delicadeza violenta", o pessoal dos Direitos Humanos chamam de tortura. Era a hora de usá-las. As pessoas começaram a perceber que alguma coisa estava acontecendo. A menina saiu logo de perto. Insisti na ordem dada. Ele retrucou que não podia sair e que ficaria lá até o final, por determinação do "dono da casa" e blá, blá, blá e pererê e coisa e tal... Eu sabia que ele estava mentindo. Como se não bastasse, o cara começou a ficar agressivo. Não chegava a ser uma agressividade violenta, era mais uma coisa de zombaria. Aquele professor podia ter avisado que cada segundo de resistência torna o dever de agir mais árido e mais difícil de suportar.

Não tirava o meu corpo da frente dele, fazendo com que ele fosse recuando de pouquinho em pouquinho. Podia ter feito aquela posição de águia do Karatê Kid, né? Não podia deixá-lo ganhar espaço. No mínimo ele deve ter pensado "Essa mulherzinha deve ser louca". É, eu sei. Foi loucura mesmo, burrice minha, porque ele poderia ter me machucado... Antes de dar o primeiro passo eu deveria ter pedido reforço da equipe que estava no terreo. Mas existe "risco zero" em alguma operação policial? Existe "risco zero" de se machucar em algum tipo de relacionamento? Existe "risco zero" na vida? Já ouviu falar que "O homem é o lobo do homem. Somos naturalmente violentos", ou que "A mão que afaga é a mesma que apedreja"? Portanto, "Ele poderia ter te machucado" é uma das frases mais inúteis na Polícia.

Nessa hora eu só queria ser um pugilista enorme. Ter pelo menos o triplo do meu peso e uns trinta centímetros a mais de altura. Queria ser um "armário" negão do Harlem. Aposto que a história seria outra. Tentava se esquivar de mim e eu me colocando na frente dele. Ninguém aparecia para ajudar! Minha solidão era tanta que não me deixava tirar os olhos de cima dele nem por um instantezinho sequer. Ele teria que sair dali, nem que fosse hipnotizado (Uma cobra "naja" não é lá um bicho "peso-pesado", e come até um boi! Ah não essa é outra cobra, né?). 

O braço dele não era lá tão musculoso, pressionei o local certinho porque ele contraiu o corpo de dor. Ninguém viu isso porque eu estava de costas para o público. Apertava o braço dele toda vez que ele empacava. Sim, eu estava literalmente tentando, sozinha, tirar ele no braço! Percebi que nos aproximávamos da porta. Eu acho que ele se sentia tão ridículo sendo acuado por uma mulher, não exatamente pela mulher em si, mas pelas pessoas que deveriam no mínimo estar adorando aquela queda de braço.

Eu tremia nervosamente e o coração já não batia, esmurrava. Falei bem baixinho, quase sem mexer os lábios. Não sei se implorando ou apenas sussurrando: "você vai ter que sair porque eu estou mandando você sair". Notável que nem a minha retória é robusta. Mas entenda que na minha cabeça não era eu que estava ordenando, era a POLÍCIA. Ele tinha que me obedecer! Até porque eu não tinha a menor vontade de levar ninguém preso para a delegacia naquele dia. Ainda bem que o "dono da casa" que na verdade era uma repartição pública, não viu nada, estava em outro ambiente. Tenho certeza de que só pelo fato de eu ser policial ele tomaria as dores do sujeito. Não saberia o que fazer nesse caso. Apertei novamente o braço dele no mesmo ponto sensível. O braço dele já estava todo vermelho porque eu já tinha apertado o lugar errado uma dúzia de vezes, daí finalmente ele disse exasperado: "Tira essa mão de mim!". Eu já queria tirar o omoplata dele do lugar. Retruquei: "Eu tiro se você sair". Eu deveria estar vermelha de raiva. Ele falou por último: "Tira a mão que eu saio". Ele já estava vermelho de raiva. Soltei o braço dele, dando-lhe pelo menos uma saída honrosa. Ele disse no sufoco: "Agora eu saio" se virou e saiu. 

SEXTA-FEIRA, 24 DE AGOSTO DE 2012

Mas falem de mim.

Na polícia existe um arquivo onde fica registrado o seu conceito perante a instituição, a sua "ficha" ou a sua "pasta", acho que o termo correto é "assentamentos funcionais". É lá que guardam o seu termo de posse, seus dados pessoais, certificados, seus elogios, promoções e punições. Seu histórico. Mas isso é só uma formalidade. Eu acho que ninguém consulta essa porcaria quando precisa recrutar alguém para uma missão especial, como é feito nos filmes policiais. No máximo eles pedem um nada consta seu na Inteligência e pronto. Imagino. Mas acho que o que realmente conta aqui dentro é o que é falado a seu respeito nos corredores. Sério. Tem histórias de policiais aqui dentro que eu já ouvi várias vezes contadas por pessoas diferentes, em lugares bem diferentes. São as lendas. E pode acreditar, seu perfil interna corporis, digamos assim, começa a ser formado na Academia (cara... vai por mim, que eu sei o que estou falando). Isso me traz um certo pavor, porque não é um método muito confiável. Se é que existe algum método confiável de avaliar pessoas, né? As pessoas só contam os fatos sem narrar as circunstâncias, os motivos... Mas o Agente Roger Mutagh respeita muito essa análise que os colegas fazem uns dos outros. Pelo que entendi, foi devido ao meu conceito perante meus colegas que eu vim parar aqui (por indicação do chefe é que não foi...). Curiosa, descobri que foi um colega lá do setor do Jack Bauer, que sugeriu meu nome numa dessas conversas informais pra fechar os escolhidos desta equipe onde sou a única mulherzinha (Operação Branca de Neve e os sete anões). É lógico que eu fui tirar essa história a limpo com o Roger e ele confirmou dizendo que o colega avaliou assim o meu trabalho: "ela gosta muito e sabe fazer direitinho". Imagina "Ele" (meu amor) ouvindo isso a meu respeito. É melhor eu explicar, logo. "Amor, olha, não é nada disso que você tá pensando. O que meu colega quis dizer é que tem muita mulher que gosta, mas não sabe fazer, eu concordo com ele e digo mais, a maioria das que não gostam é justamente porque não sabem fazer, entendeu?". Não. Ok, porque essa realmente não seria uma explicação convincente. Não estou reclamando, confesso que gostei de ouvir isso e mais ainda de estar aqui. Mas vocês vão concordar comigo que uma frase dessas dita fora do seu contexto... aumentaria consideravemente a minha popularidade aqui dentro! Certeza!

Ps.: Senhores, tem texto novo na "Confraria"

QUINTA-FEIRA, 2 DE AGOSTO DE 2012

Supremacia do interesse público.


Sabe quando há uma situação e você passa batido? Sabe quando você fica dias e dias ruminando frases que você poderia ter dito naquela ocasião? Sabe quando você decide não fazer alguma coisa quando poderia ou deveria ter feito? Sabe, né. Pois é, mas dessa vez não teve nada disso. Tudo dando errado e meu sangue já tava quente enquanto meu colega permanecia imóvel lá no fundão com cara de samambaia. "Quer saber?" Pensei. "Dane-se o plano A, o plano B e o plano C"! (será que tínhamos um plano "C"?). Era eu quem estava mais próxima da porta, então fui... Só uma perguntinha irritante: existe uso da força sem protestinhos indignados? Claro que não, mas juro que agi no estrito cumprimento do dever legal e viva o fim do probatório! Pane sanada, tomei a primeira escadaria de emergência que encontrei no prédio. Era isso ou voar pela janela... Desci desvairadamente os quatro andares e consegui chegar à garagem onde a área estava "limpa". Controlei a respiração, arrumei o cabelo, fingi que nem era comigo e ainda dei um sorrisinho para o vigilante gatinho (marketing profissional). Embarquei no carro do Imortal  e não falei palavra, como se toda aquela excitação alucinada fosse coisa de rotina. Na hora é puro êxtase, depooooois você começa a pensar: "nossa, e se der algum problema... e se isso, e se aquilo..." Até agora ninguém comentou nada. Acho que é um bom sinal. Pelo que ouvi na hora, os repórteres que presenciaram os fatos concluíram que eu era alguma funcionária abusada da casa anfitriã. Existe julgamento precipitado da imprensa? Porque eu não disse isso! Tá vendo porque é bom sempre ter uma mulher na equipe? A gente tem cara de tudo, menos de polícia.

DOMINGO, 15 DE JULHO DE 2012

Outros fatores.


Meus piores momentos na Academia não tiveram nada a ver com o curso de formação em si. Eram fatores externos que vez ou outra me atormentavam. Engraçado que a última coisa com o que você se preocupa nessas horas é com a meteorologia, né? Apanhei um pouco do clima bipolar da cidade. Prova de tiro na chuva. Putz! Ainda bem que a arma era de fogo, o que  esquentava a adrenalina. E o corridão na aula de educação física? Arre, do nada, meu nariz começa a sangrar... Fiz o que podia... Levantava a cabeça, olhava pro céu, tossia, engasgava... Às vezes é necessário diminuir a velocidade até dar uma estabilizada. Me recuperei no tempo certo e ainda consegui chegar junto com a turma. Ninguém quer ficar pra trás, sozinho e atrasado. Na chegada, alguns colegas se assustaram porque tinha sangue na minha camiseta e perguntaram preocupados se eu tinha sofrido algum acidente no caminho. Foi legal. Chato foram alguns probleminhas de ordem doméstico-sentimental-desnecessário-inconvenientes que conseguiram ludibriar a segurança do perímetro e atingiram em cheio meu desempenho em sala de aula. Imaturidade emocional e carência juntas é uma droga e a Academia ainda ri da tua cara. Fiz o que podia... Levantava a cabeça, olhava pro céu, tossia, engasgava... Às vezes é necessário diminuir a velocidade até dar uma estabilizada. Resultado: minha média caiu umas trinta posições no runking geral da escola em pouco mais de uma semana (havia um runking informal que os meninos atualizavam a cada nota divulgada e eu tava bem pra caramba!). Essa  média não deu pra recuperar, mas cheguei bem, graças a Deus, e sem sangue na camiseta. A hemorragia era interna.

SEGUNDA-FEIRA, 2 DE ABRIL DE 2012

Sobrou pra mim.

A última vez que o fascínio apareceu junto com esse sentimento de impotência eu quase tomei uma punição. Querer acertar é um desejo, não é uma garantia de que tudo vai dar certo. Na hora da decisão é você sozinho e uma angústia que gruda no seu pescoço a te sufocar e  a urgência! Sem treinamento, sem parâmetros, sem modelos, sem alguém que me puxe pelo braço nessas horas e diga “vem comigo que eu sei o caminho!”. Falta ar. Me sinto perdida, tateando, esmurrando no escuro e não encontro a saída. Por isso esse curso significou tanto pra mim.

Que bom pra você que foi trabalhar em áreas inóspitas e aprendeu a fazer de tudo um pouquinho. Muita gente fala isso e estufa o peito “Minha primeira lotação foi no Infeeeeerno, moleque”. Mas sabe que pra mim isso não quer dizer muita coisa? Hum rum, eu sei. É legal fazer clínica geral porque você tem a visão do todo e coisa e tal. Super-master-cool, mas nem levanto as sobrancelhas. Eu admiro mesmo é quem tem pedigree. O Clínica Geral sabe de tudo um pouco, mas sabe quase tudo mal. Concorda? E quando ele não consegue resolver o teu problema ele vai te olhar de forma mais oficial e vai te mandar para o especialista. E eu quero mesmo é resolver o problema. Chega de dúvidas! Eu quero é ter respostas. Quero ter certezas. Quero ter um nome, cujo sobrenome seja minha especialidade. Entendeu? Tipo assim: “Sabe a Márcia da Homicídios?”, ou “Me liga com a Carol da Entorpecentes”. Desculpa tá, mas eu quero ser o Romário que fica na banheira, mata a bola nos peitos, bate pro gol e pronto, está resolvido. Quero fazer vários cursos e  vários gols  na mesma área. Grande área.

Falando assim, dou a impressão de que tenho a vastidão da minha carreira policial toda seriamente traçada, né? Esta sou eu, mentindo pra mim mesma. Porque eu tô é batendo cabeça e atirando pra tudo quanto é lado. Desesperada. Flertando com várias delegacias ao mesmo tempo. Inquieta, me infiltro onde deixam a porta aberta. Sou tipo mulher que se apaixonou pelo amante. Devia estar cuidando da minha “casa”, trabalhando direitinho com aquele meu chefe amargo, que ouve "Yesterday" com Tom Jones. Mas vivo pulando as cercas dessa monotonia geométrica atrás de aventuras. É por isso que gosto de trabalhar com o Jack Bauer. Porque a porta lá sempre se abre milagrosa e irresistivelmente pra mim.

Meu nome não estava na lista de matriculados, obviamente. Porque esse curso é para esses caras que já têm nome na praça. Só que na sexta-feira, o bam-bam-bam de determinada região deu pra trás, sendo que o curso começaria na segunda-feira da semana seguinte. Ligou para o Jack e avisou que não viria porque tal e que não tinha ninguém pra indicar para a vaga dele no curso (Tente achar um servidor público em sua seção numa sexta-feira à tarde. Alguns até “esquecem” o casaco majestoso na cadeira pra dizer que estão na área...) Sem saber de nada eu entro na sala aproveitando a porta aberta pra dizer alguma coisa do serviço que achava que poderia ser importante. O Jack, que já havia feito sinal pra eu entrar com aquele jeito autoritário dele, após colocar o fone no gancho, perguntou sério, como quem não vê nada de cínico nisso: “Quer fazer o curso dos Franceses?”

SÁBADO, 24 DE MARÇO DE 2012

Nem doeu!


Entendi o motivo de ter tanto colega meu que pode estar vendo o circo a delegacia pegar fogo, mas não move uma palha além daquilo que lhe é estritamente exigido. É uma coisa chamada desmotivação. É porque alguém em algum lugar do passado provou pra eles que não vale a pena lutar e fazer a diferença. Aquele famoso espírito de "novinho empreendedor", que deixa no ar aquele hálito de garra e motivação que arde em excitações dentro no peito, deixou-se matar. Aceitam tornar-se profissionais meia-boca, sucumbidos pelo medo de sofrer. Esqueceram-se dos gritos de guerra da Academia, e aceitam viver entre as quatro paredes da acomodação. Desistiram.

É assim que vejo a alma do meu chefe. Talvez eu estivesse um pouco distraída ou talvez seja ele mesmo que se esconde por trás daquela barba grossa e fechada.  Aquela plaqueta que identifica a mesa dele deveria conter a inscrição "Senhor Frustrado". Pelo fato de ele, um agente já da "Classe Especial", estar naquele setor fazendo o que faz, das duas, uma: ou ele apostou errado em algum ponto no passado da carreira dele, achando que ia se dar muito bem... ou ele é mesmo muito incompetente. É difícil trabalhar com um chefe assim, sem se deixar contaminar.

Por isso que eu fujo dele e insisto em trabalhar como reforço noutro setor. Vi que ele se sentiu diminuído quando o Jack me ofereceu a última vaga naquele curso dos Franceses (o povo aqui adora um certificado! Internacional, então...). E o olhar estranhamente frio dele quando precisaram de alguém que falasse outro idioma para aquela missão específica. Eu fui e ele ficou. Consegui entender por que ele se sente tão mal com isso. É porque ele é antigão, deve ter sofrido muito no início da carreira, então ele acha que eu não posso me dar bem porque sou novinha! Pronto, falei. Vocês acham que é fácil pra ele encarar o fato de uma guriazinha com tão pouco tempo de casa ter recebido um elogio escrito de um "Tiranossauro Rex" (chefe de polícia bacanudo)? Elogio esse que veio descendo a longa cadeia alimentar de comando até chegar nele pra depois chegar em mim?

É duro, sim! Aprendi que destacar-se por qualquer coisa boa no serviço público é uma manobra muito arriscada e pode te custar caro. Porque igual a uma cobra sorrateira que surge por atrás da moita (sossega mulherada!), ele esperou o momento exatinho para dar o bote certeiro. E esse momento, no meu caso, chama-se “avaliação de desempenho”. Acho que ele procurou até nos recônditos mais escuros de sua maldade algum item dentre os disponíveis na referida avaliação para me acusar de ter deixado a desejar em alguma área. E achou! Evidentemente não entendi o motivo de ele ter me avaliado a menor naquele item e perguntei: “Mas como? Por acaso eu faltei algum dia ao serviço?” Ele ironicamente respondeu que, de certa forma sim, porque eu trabalhava mais no setor do Jack que no setor dele. Logo, ele não poderia dizer que eu era assídua na "minha" seção...  Olha o naipe do veneno... Aí eu ri, né, argumentando que todas as solicitações de reforço que o Jack faz são devidamente documentadas, respaldadas e fundamentadas e que, em sendo assim, quem deveria fazer a minha avaliação era o Jack. E depois chorei de raiva, porque quem avalia o servidor é o chefe de direito, do setor onde você é lotado a maior parte do período referente à avaliação. E não o meu chefe de fato – Jack Bauer - Entendeu?

Mas que droga de probatóriooooooo!!!!

O que me revolta não é o prejuízo na carreira. Os pontinhos que ele tirou são praticamente insignificantes, tipo um 9,5 sabe? Mas a minha indignação e revolta é porque tem um quilo de APFs (Agentes de Polícia Frustrados) naquela porcaria daquela delegacia que só trabalha mal e quando quer e ele vem tirar ponto meu, que trabalho voluntariamente feito uma burrrrrra de carga, varando noites e tudo mais? Ahtelascá, né?

Espera sentado quem pensa que eu vou puxar saco de alguém pra tirar nota máxima em qualquer tipo de avaliação que supostamente possam fazer por aí. Já falei para o Jack que pra seção do meu chefe "de direito" (absurdo isso!) eu não volto! Se ele não conseguir me remover para o setor dele que me ajude então a ir pra SVU, ou pra qualquer outro lugar, tô aceitando até função de cão farejador! Mas para aquela delegacia, não volto mais! Morro, mas não me entrego!

QUARTA-FEIRA, 11 DE JANEIRO DE 2012

Na própria carne.


 Tá se tornando difícil demais escrever. Mas também posso dizer que tudo não passou de mais um sonho ruim, não posso? Adiante. Noto que a maioria dos policiais escapam de falar sobre certas tristezas com as quais não conseguimos conviver muito bem. Também eu preferiria jamais ter que falar a respeito. Como se ninguém soubesse que isso acontece nas melhores policias. Ocorre que, visto de perto, o estrago parece ser bem maior. Mandado de prisão contra colega é de lascar! E o quê?! Eu fiz uma missão com essa garota e conversamos por um tempão naquela noite. Rimos muito e falamos das dores e delícias de sermos o que somos! E... pra variar, não percebi absolutamente nada! Será que nunca vou me sentir legitimamente policial? As letras estão escurecendo. Quero ficar sozinha e tentar limpar o sangue no olho. Não consigo  enxergar o momento desgraçadamente exato em que uma pessoa desmorona do nível: “policial novinha” para o nível "bandida perigosa e foragida".

QUARTA-FEIRA, 30 DE NOVEMBRO DE 2011

Special Victims Unit




Fui pra casa e fiquei até altas horas refletindo histericamente naquela sentença do Jack: "uma missão que por suas características só vou poder te passar as informações minutos antes do embarque". Não só porque a ouvi diretamente do Jack Bauer mas porque a missão do dia seguinte tinha certas "características", certas "informações" e um certo "embarque"! Entendeu? Nem eu. Mas foi só isso que ele me disse, porque não podia dizer mais nada. Na minha mente, eu repassava cada palavra enfatizada por um eco que não existia na versão original, mas que tava lá na minha memória. Sei que você, caro leitor, no meu lugar poderia querer saber coisas tais como "Tá, mas pra onde eu vou?" ou "Que tipo de missão seria?", "Aceita débito automático?" ou talvez perguntaria apenas: "O que eu preciso saber?", sei lá, essas coisas normais. Mas a dúvida que mais me atormentava era: "Com que roupa eu vou?".

Preciso confessar uma coisa. Tudo bem que minha experiência nessa área especifica em que trabalho (emprestada para o setor do Jack Bauer) já está se estabelecendo na minha identidade policial. Tudo bem que sinto que o Jack já meio que conta comigo e já me passa missões com mais confiança. Tudo bem que às vezes eu tomo a frente das coisas, porque tem muito policial caindo de para-quedas nesta seção, e eles são bem mais hit parade na polícia do que eu, mas que se enrolam bastante pelas bandas de cá. E tudo bem também que este blog já vai fazer dois anos de vida (U-hu, galera!).  Mas a verdade é que na altura do campeonato eu já esperava ter marcado muitos gols mais. No entanto, ainda me sinto um bebezão desengonçado em muitas situações. Sinal de que humildade deveria ser um pré-requisito de todo candidato a uma vaga na polícia. Se eu tô de sacanagem?! De jeito nenhum! Tô falando seríssimo. E isso é engraçado porque sei que fica realmente difícil você colocar na mesma frase essas duas palavras "humildade policial".

Isso não foi uma missão foi praticamente um curso! Trabalhei com um policial que até então eu não conhecia. Vamos chamá-lo de detÉctive Elliot Stabler. Ele trabalha para um outro setor daqui da polícia que vamos chamar de Special Victims Unit (mas que nem é...) e que me pareceu ser um cara bastante dedicado. Foi uma ótima oportunidade para eu ver como ainda estou crua nessa coisa que é ser "policial de verdade". Digamos que o máximo que eu consegui até agora foi ter-que-agir-de-repente-como-uma-policial. Ai, não vou explicar isso agora, mas são coisas bem diferentes. Lamento informar, mas sinto que falta muito ainda pra eu deixar de ser "novinha". Snif.

Eliot Stabler pediu a ajuda do Jack Bauer talvez porque as suas áreas de trabalho sejam semelhantes, embora a clientela seja totalmente diferente. Ocorre que esta OM (ordem de missão) acabou caindo no meu colo. Detalhe: Nos sonhos de um agente novo na polícia, umamissão especial aparece na sua vida de forma incrível. Os grandes chefes de policia te chamam para atuar porque descobrem que só você teria condições de cumprir aquela missão eficientemente. No meu caso, foi a falta de efetivo mesmo, que nessas horas sempre se torna minha forte aliada na transposição dessa barreira enorme que é a falta de experiência. Deveria ser promovida direto para a Classe Especial já que sou especialista em tapar buracos.

E foi isso que aconteceu. Ou seja, nunca serei, né?! Pois foi só mudar o cenário operacional e eu colei as placas. Não, gente. A missão foi muito legal, toda bonitinha, compartimentada, cool! Não teve glamour como tem, normalmente, nas missões do Jack, pelo simples fato de que era tudo muito sigiloso e escondidinho. Mas tudo bem. Faz parte, porque a coisa poderia complicar caso houvesse vazamento de informações, mas no final deu tudo certo, graças aDeus.

Graças a Deus mesmo, pois  o que me deixou realmente desanimada é que na minha imaginação esse tipo de missão tinha que ser algo mais. Entende? Mais providências, mais planejamento e mais levantamentos feitos com muito mais antecedência. Ah, mas não foi assim, não. Pensei em jogar a culpa na SVU e até desenterrei posteriormente minhas apostilas da Academia pra ver se era aquilo mesmo, e se eles estavam procedendo corretamente. Mas que raio de curso de formação foi esse que eu fiz onde a única coisa escrita que tinha  sobre esse tipo de missão era uma linha solitária dizendo que essa área era da competência da "Special Victims Unit" e ponto final?

Perdoem mas estou começando a achar que esse negócio de querer ser operacional na policia é uma exposição à roubada. É meio desesperador você receber uma missão dessas e não saber nem por onde começar! Comecei imitando o Elliot... né? Ele parecia atuar uns dez tons acima, impressionantemente calmo, o que me fazia pensar que tudo estivesse sob controle (?). Ele deve ter feito esse tipo de missão um milhão de vezes. Logo, fiz mímica dele o tempo inteirinho. Tipo uma sombra dramatúrgica. Uma figuração cênica em nome de um show. Pfff. Se na minha avaliação de desempenho constasse o item "capacidade de iniciativa" eu mereceria um zero bem redondinho... O que prova que uma missão de sucesso não significa exatamente que você fez tudo bem certinho nos mínimos detalhes. Mas, talvez, signifique que você teve sorte de nada de mal ter acontecido. E um beijo para todos os policiais antigões arrogantes e embusteiros do Brasil. Tô ligada, hein!

Além disso, uma outra coisa que pegou pra mim particularmente, foi o clima carregado da missão. Tenso. O ar era muito pesado o tempo todo. A gente estava lidando com efeitos colaterais do sistema. Sabe? Tipo, coisas que não podiam terminar daquele jeito. Eu queria me comprometer com aquela causa, indenizar aquelas pessoas. Fazer alguma coisa. Sei lá o quê exatamente. O máximo que consegui foi uma simbólica despedida que se deu numa intensa e ao mesmo tempo fugaz troca de olhares entre mim e eles, que mesmo sem poder dizer nada disse tudo. Só isso. E cada um de nós seguiu o seu destino. Esse sentimento de impotência é gigante e incomoda demais. Taí uma coisa que me preocupa, oras. Será que eu deveria ter prestado concurso para o Ministério Público? Policial não pode sentir essa ternura, essas sentimentalidades, sob pena de ter seus próprios julgamentos afetados blá, blá, blá, pererê. Mas eu sinto muito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário