domingo, 5 de janeiro de 2014

Colunistas da folha.

 

 

clóvis rossi

 

05/01/2014 - 03h00

Maconha Inc.


As ações da empresa MediSwipe deram um tremendo salto nesta semana na bolsa de mercadorias dos Estados Unidos: espetaculares 70%, índice notável mesmo ao se levar em conta que as bolsas norte-americanas tiveram um 2013 bastante positivo.
O que faz a MediSwipe para tornar-se subitamente tão atraente? Ela, em si, nada de marcante. Fornece sistemas de pagamento para a indústria médica.
O que atraiu investidores foi uma cooperativa por ela criada no Estado do Colorado para trabalhar especificamente com a indústria da maconha (marijuana, cannabis ou como se queira chamar). Não por acaso, na véspera do "boom" das ações da MediSwipe, o Colorado tornara-se o primeiro Estado dos EUA a liberar a maconha para lazer.
No país em que o "business" é a alma do negócio, com perdão da redundância, é natural que a novidade logo tivesse uma tradução empresarial. Afinal, o potencial do mercado de marijuana em cinco anos é de US$ 10 bilhões (R$ 23 bilhões), segundo pesquisa do centro ArcView (pesquisas sobre tudo e sobre todos são outra faceta onipresente na sociedade norte-americana).
O sucesso, pelo menos provisório, da MediSwipe pode significar que o entorno da maconha deixará de ser criminoso e se tornará um negócio como outro qualquer, como a venda de álcool, outra droga, como chegou a comparar a BBC?
As autoridades do Colorado acreditam que sim, como é óbvio: calculam que as vendas no Estado poderão chegar a US$ 580 milhões por ano (R$ 1,36 bilhão), gerando US$ 67 milhões em impostos (R$ 157 milhões), a serem empregados em escolas, estradas e outros projetos.
Acreditam, ainda, que pouparão algo em torno de US$ 60 milhões (R$ 140 milhões) em gastos até agora alocados para aplicar as leis de combate às drogas.
O argumento mais poderoso a esse respeito, no entanto, vem do setor privado, mais precisamente de Michael Elliott, diretor-executivo do Grupo da Indústria Médica da Marijuana do Colorado:
"Tivemos 40 anos de guerra às drogas, gastamos um trilhão de dólares. E o que temos? A marijuana é universalmente disponível, temos a mais alta taxa de prisões do mundo e as vendas são dominadas por pessoas que usam a violência para vender drogas, exatamente como Al Capone fazia durante a proibição do álcool. Agora estamos criando negócios que prestam contas e são transparentes", disse ao "Independent".
É rigorosamente o mesmo argumento do presidente do Uruguai, José Mujica, para justificar o projeto recentemente aprovado que legaliza a produção e a venda de maconha sob controle do Estado: "O projeto busca uma alternativa para lutar contra o narcotráfico ante a evidência de que, pelo lado da repressão, a batalha está perdida em todo o mundo, e faz tempo".
Os contrários à nova lei podem negar valia a ela, mas não discutem que a repressão, pura e simples, não funciona ou nunca funcionou.
Pena que no Brasil haja tão pouco interesse em discutir uma alternativa que ponha "business" onde só há violência.
clóvis rossi
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo" e "O Que é Jornalismo". Escreve às terças, quintas e domingos na versão impressa de "Mundo" e às sextas no site.

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