domingo, 20 de abril de 2014

Jornalistas e entidades falam sobre os desafios de cobrir manifestações no Brasil.

e os desafios de cobrir manifestações no Brasil.

As manifestações que levaram milhares de pessoas às ruas de todo o Brasil em 2013 demandaram uma abordagem diferente de qualquer por parte da imprensa. Tal cobertura ocasionou em 119 casos de agressão contra jornalistas, como apontou a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) na última atualização do relatório.

Crédito:Agência Brasil
Entidades querem responsabilidade das empresas por segurança de seus funcionários
Os dados revelaram que a maioria dos atos hostis ocorreram por parte de policiais que atuavam nas mobilizações. Além disso, o país foi considerado como o local que mais registrou mortes de jornalistas no exercício da profissão durante o ano de 2013 em todo o hemisfério ocidental, mostrou relatório do Repórteres Sem Fronteiras (RSF).

O nível de agressões à imprensa cresceu tanto que chegou a ser fatal. Logo no início deste ano, a imprensa e a sociedade foram surpreendidas com a morte do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade, da TV Bandeirantes, no último dia 10 de fevereiro. Ele foi atingido por um rojão enquanto cobria um protesto no centro do Rio de Janeiro (RJ). O profissional tinha 20 anos de carreira, dez deles atuando como repórter cinematográfico da emissora. 

Pensando nos desafios de fazer jornalismo no Brasil, IMPRENSA abre a série especial que retratará em quatro temas - Manifestações, Política, Comunidade e Futebol - os meandros da profissão. Para iniciar, conversamos com entidades, jornalistas e fotógrafos que foram atingidos durante a cobertura das mobilizações, para debater como os profissionais podem se prevenir dos ataques e qual o papel do governo diante de tais atos.

O jornalista Fábio Pannunzio, da Band, relata que a cobertura das manifestações foi de muita tensão o tempo inteiro. Logo no início dos protestos, ele foi alvo de ofensas nas ruas. À época, contou que um “sujeito notadamente bêbado” arrancou o microfone da sua mão e jogou “com toda força” no chão.

"Eu acredito que boa parte de ódio dos manifestantes pela imprensa foi alimentado por jornalistas. Muitos profissionais experientes que têm feito o péssimo serviço de ficar repetindo na internet que a imprensa é venal, é golpista. Acredito que boa parte da culpa por essa generealização vem dos próprios jornalistas, de mídias que ficam na internet fazendo esse trabalho de implosão conceitual do jornalismo", explica.

Crédito:Reprodução
Giuliana Vallone, da "Folha", atingida por bala de borracha
Adriano Lima, fotógrafo da Agência Brazil Photo Press, foi atingido por golpes de cassetete quando tentava fotografar o momento em que um manifestante era detido por policiais. Ele conta que mesmo após a agressão cobriu a maioria das mobilizações que se seguiram. "Depois da agressão eu fiquei mais distante dos atos. Já usava equipamentos, como capacete e máscara de gás, e continuo usando”, revela.

Para ele, deveria haver um curso na Polícia Militar para que os profissionais de imprensa aprendam como lidar com determinadas situações durante a cobertura em áreas de risco. Ele explica ainda que cada profissional deve medir os riscos que expõe à própria segurança. 

Outros dois atentados marcantes contra a imprensa foram as agressões da jornalista Giuliana Vallone, da Folha de S.Paulo, e do fotógrafo freelancer Sérgio Silva. A repórter foi atingida no olho por um disparo de bala de borracha enquanto fazia a cobertura do protesto contra o aumento da passagem de ônibus na capital paulista. Já o fotógrafo, que prestava serviços para a agência Futura Press, foi atingido no olho esquerdo por um tiro de bala de borracha disparado pela Polícia Militar.

Após se recuperar parcialmente, Sérgio moveu uma ação contra o Estado de São Paulo pedindo indenização de R$ 1,2 milhão – entre gastos em saúde, danos materiais e morais. Além disso, deu apoio ao Projeto de Lei 647/13, de autoria do deputado Estadual de Sumaré, Francisco de Campos Tito (PT), que limita o uso de munições, como a bala de borracha, para conter protestos.
Entidades lutam pelo reconhecimento do trabalho jornalístico

Guilherme Alpendre, diretor executivo da Abraji, explica que a entidade tem seguido as recomendações do índice do Instituto Internacional para a Segurança da Imprensa produzido por especialistas britânicos. Embora algumas indicações não sirvam para o caso do Brasil, ele alerta que é uma grande fonte para os jornalistas se espelharem e se sentirem mais seguros durante uma manifestação. 

Crédito:Reprodução
Sérgio Silva perdeu a visão após ser atingido por bala de borracha
Alpendre enfatiza que as agressões contra a classe devem ser diferenciadas para que haja punição e conscientização da sociedade sobre a importância da atuação da imprensa. Ele explica que os ataques perpetrados por policiais são, em sua maioria, intencionais, ou seja, o jornalista foi agredido mesmo apresentando identificação. 

“Isso é um problema grave porque a polícia é o braço armado e detentor do monopólio da violência do Estado. E quando você tem policiais agredindo jornalistas, tem, na verdade, o Estado agredindo jornalistas, quando deveria orientar a polícia a não evitar o trabalho da imprensa, mas sim, colaborar para que o profissional possa trabalhar”, ressalta.

O diretor destaca também que quando o ataque parte de um manifestante, o estado judiciário e a polícia devem ser acionados para que o culpado seja punido. Além do papel do governo, o diretor esclarece que as entidades devem se unir e debater o tema para a conscientização das pessoas do papel fundamental do jornalista para a democracia. “É importante que seja bastante discutido para que a sociedade compreenda o perigo que e calar a imprensa”, acrescenta.

O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, pontua que os jornalistas devem exigir da sociedade um ambiente mais seguro e, do Estado, uma posição. "O Estado brasileiro precisa considerar essas agressões como um caso grave, que acaba também comprometendo sua imagem", explica.

Ele chama a atenção para a atuação das empresas de comunicação no auxílio e apoio de seus funcionários. O presidente menciona a agressão do cinegrafista Santiago Andrade, que estava sem acompanhamento de uma equipe e não portava nenhum tipo de proteção. 

"Nós [da Fenaj] estamos exigindo que as empresas assinem um protocolo com a Federação para estabelecer regras nacionais que sejam determinadas para todas as redações por seguro de vida, equipamento, treinamento, e principalmente, um ambiente de segurança em que os jornalistas possam avaliar em uma comissão de segurança", reforça.

* Com supervisão de Vanessa Gonçalves.

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